A COVID-19 trará ventos de mudança em Moçambique?
É momento de mudar as políticas públicas! Esta parece ser a posição do Ministério da Economia e Finanças, partilhada num painel que discutiu os impactos económicos da pandemia do COVID-19 e as suas implicações para as políticas em Moçambique. O debate foi organizado pelo programa Crescimento inclusivo em Moçambique (IGM), durante a sua Conferência Anual de 2021, em Maputo. Considero este o principal resultado do evento.
Passados dois anos do início da pandemia, é hora de aproveitar as lições aprendidas e planear o futuro ditado pelo ‘novo normal’—e de ‘reconstruir melhor’ (‘Build Back Better’). Nesse sentido, as pesquisas apresentadas durante a conferência, representando algumas das fontes mais relevantes sobre os impactos da COVID-19 no país e discutidas por decisores políticos, académicos e profissionais da área de desenvolvimento, fornecem muito material para reflexão.
Enfraquecida pela crise, conflito e desastres naturais, o impacto da COVID-19 na economia moçambicana tem sido significativo
Há cerca de dez anos Moçambique era uma das economias com melhor desempenho em África, com uma taxa média de crescimento anual de 8%. A queda dos preços das commodities em 2014, o surgimento de uma crise da dívida externa, resultando em inflação, a retirada de parceiros de apoio ao Orçamento do Estado em 2016, conflitos nas regiões centro e norte do país desde 2013 e 2017, respectivamente, e dois ciclones recentes em 2019, enfraqueceram significativamente a economia moçambicana.
Sobre todo esse cenário veio a COVID-19. Embora os impactos da pandemia na saúde não tenham sido tão assustadores em relação à algumas previsões iniciais, os impactos económicos são significativos e prolongados. Sectores de exportação importantes como o da mineração, enfrentaram grandes quedas de preços nos mercados mundiais, resultando em receitas de exportação mais baixas. Para o turismo, outro sector-chave para a economia moçambicana, as restrições às viagens e as medidas de distanciamento social tiveram efeitos devastadores. Resumindo, a pandemia desacelerou ainda mais o crescimento económico de Moçambique.
Resposta do governo rápida, mas insuficiente
O Governo e o Banco de Moçambique foram forçados a tomar medidas de emergência para compensar os impactos socioeconómicos da COVID-19. O apoio ao sector privado incluiu alívios no mercado de crédito e redução de impostos, bem como reduções nos preços de serviços essenciais, como água, electricidade e gás. Além disso, o número de beneficiários de programas de protecção social mais do que duplicou, de cerca de 0,6 para 1,7 milhão de famílias, e um novo subsídio de emergência para os agregados familiares vulneráveis foi implementado gradualmente.
De acordo com Finório Castigo, do Ministério da Economia e Finanças, o papel mitigador dos pacotes de resgate de impostos e benefícios em Moçambique foi, no entanto, limitado. Isso deveu-se, em parte, à lenta implementação de algumas das medidas, confusão sobre os critérios de elegibilidade e apoio limitado aos negócios informais..
Mulheres e jovens urbanos foram os mais atingidos
A redução da procura interna decorrente da introdução de medidas de contenção da COVID-19 afectou negativamente a dinâmica do sector privado e da produção industrial. Muitos negócios formais, especialmente pequenos negócios—muitas vezes liderados por mulheres—ficaram sem reservas para se sustentar. De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), cerca de 120.000 postos de trabalho foram perdidos e 63.000 contratos de trabalho foram suspensos até Junho de 2020.
A perda de empregos e meios de subsistência foi mais pronunciada nas áreas urbanas, onde reside a maioria das empresas do sector privado. Para cerca de dois terços da população moçambicana que vive e trabalha nas zonas rurais e practica agricultura de subsistência com pouca ou nenhuma ligação a mercados maiores, o impacto imediato da COVID-19 parece ter sido menos significativo.
O impacto no sector informal parece ter sido particularmente severo. Conforme referido por Alex Warren-Rodrigues, do PNUD Moçambique, o sector informal é parte integrante da economia urbana e, como tal, está exposto às dinâmicas da economia global, incluindo a recessão provocada pela pandemia. Este sector é afectado directamente, também, pelas medidas restrictivas para prevenir a propagação do vírus. O acesso aos programas de protecção social e medidas de apoio do sector privado no sector foram limitados.
Pesquisas produzidas no âmbito do programa IGM mostram ainda que, além das mulheres, os jovens, importantes contribuintes para a renda familiar, enfrentaram desemprego ou aceitaram um trabalho precário durante a pandemia, enquanto que os recém-formados enfrentaram dificuldades particulares em encontrar um emprego estável.
‘Construindo Melhor’ (‘Building Back Better’) implica investir no mercado interno e no crescimento inclusivo
A COVID-19 mais uma vez levanta a questão da capacidade do país de resistir à choques económicos externos—não apenas para salvaguardar os ganhos económicos e sociais mas, acima de tudo, para desencadear uma transformação económica. A ideia de um novo modelo de crescimento—a mudança que vi ser referida pelo Ministério da Economia e Finanças no painel de discussão—assenta na diversificação da economia e no desenvolvimento de um mercado interno competitivo. Isso levaria à redução de desigualdades, à criação de empregos e melhoria das condições para o estabelecimento de pequenos negócios para uma população jovem e em rápido crescimento, para além de contribuir para apoiar políticas que favorecem os pobres.
Há muitos desafios pela frente, incluindo o espaço fiscal limitado condicionado por um orçamento nacional apertado e altos níveis da dívida pública, bem como conflitos e o deslocamento significativo de populações no norte do país, que pode conduzir para o aumento de gastos militares, comprometer o comércio regional e limitar a criação de empregos locais e oportunidades de negócios associadas à exploração do gás natural. ‘Building Back Better’ requere transformações económicas que se alinham com um modelo de crescimento mais inclusivo em meio a várias forças divisórias—não se trata de uma mudança fácil, mas de mudança necessária.
Selma Inocência é jornalista moçambicana premiada duas vezes pela CNN Awards, tem mais de 15 anos de experiência em comunicação, TV e jornalismo. A jornalista moderou o painel de discussão durante a Conferência Anual IGM de 2021.
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