Três resultados relevantes sobre a pobreza infantil para os decisores políticos Moçambicanos
Moçambique experimentou um crescimento rápido e reduções na pobreza nos últimos vinte anos. O último relatório da pobreza mostrou um declínio na taxa de pobreza de cerca de 25 pontos percentuais no período 1996/97-2014/15, de cerca de 70% para 46%.
Durante o mesmo período, muitos indicadores de bem-estar também melhoraram. A maioria das famílias agora tem, pelo menos, um membro do agregado com educação primária e possui, no mínimo, um dispositivo, como um telefone celular, TV ou rádio. O acesso à electricidade, ter telhado e piso de boa qualidade também são mais difundidos agora do que nos anos 90 e início dos anos 2000.
No entanto, outros indicadores relacionados ao bem-estar das crianças parecem mais resistentes à mudança. Por exemplo, Moçambique é um dos países do mundo com as maiores taxas de desnutrição crónica (stunting) e casamento prematuro. Estes dois indicadores também estão entre os que melhoraram menos desde 1996/97.
Num artigo de pesquisa UNU-WIDER–UNICEF, que Andrea Rossi da UNICEF e eu apresentamos numa recente conferência sobre pobreza e desigualdade, descrevemos três resultados significativos sobre a pobreza multidimensional infantil que podem ajudar a informar políticas e, esperamos, a alcançar mudanças reais.
1. Uma em cada duas crianças em Moçambique é multidimensionalmente pobre
Aproximadamente uma em cada duas crianças de 1 a 17 anos em Moçambique pode ser classificada como "multidimensionalmente pobre", quando considerarmos as seguintes dimensões de privação:
- família
- nutrição
- trabalho infantil
- educação
- saúde
- água, saneamento e higiene
- participação
- habitação
Ainda mais relevante é a divisão entre áreas urbanas/rurais e entre províncias (ver Figura 1): as quatro províncias mais pobres - Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia - são cerca de cinquenta vezes mais pobres que Maputo Cidade. Além disso, a pobreza infantil multidimensional em Moçambique excede ainda a de outros países da região (ver Figura 2).
2. As taxas de casemento prematuro e desnutrição crónica são altas e diminuem lentamente
Em Moçambique, as taxas de incidência tanto da mortalidade infantil como da desnutrição crónica infantil são muito altas e melhoram muito pouco ao longo do tempo (ver Figura 3). Em 2014/15, cerca de 47% das mulheres de 18 anos já estavam casadas, e cerca de 43% das crianças com menos de cinco anos sofria de desnutrição crónica tendo reduzido apenas dois pontos percentuais em comparação a 2008/09. Além disso, as desigualdades provinciais são ainda mais dramáticas para esses indicadores quando comparados com as outras características.
Outro ponto a ser enfatizado é que o casamento prematuro e a desnutrição infantil estão fortemente ligados: as meninas que se casam antes de completar 18 anos e começam a ter bebés muito cedo, havendo uma abundante literatura que revela que mães adolescentes dão à luz crianças malnutridas mais frequentemente. Além disso, verificou-se que a gravidez na adolescência retarda os processos normais de crescimento de mães muito jovens, agravando o risco de desnutrição tanto para a mãe como para o bebé.
3. A política deve fortalecer as intervenções nas áreas de água, saneamento e higiene e educação
Não é fácil fornecer recomendações de políticas num contexto em que muitas dimensões diferentes estão tão inter-relacionadas. No entanto, tomando a análise dos determinantes da desnutrição crónica como ponto de partida, existem duas principais recomendações políticas que o estudo pode suportar:
- Investir mais em água, saneamento e higiene (WASH). Em todos os anos analisados, é muito claro que o acesso a água potável e saneamento de qualidade são extremamente relevantes e altamente necessários. É amplamente reportado que beber água insegura e ter acesso a condições de saneamento precárias aumenta a probabilidade de ter diarreia e outras doenças, o que, por sua vez, reduz a capacidade de reter nutrientes e leva à desnutrição. No entanto, o que emerge do último inquérito é que 42% das crianças de 0 a 17 anos são privadas no acesso a água potável e 73% são privadas em relação ao acesso a saneamento de qualidade. Nas áreas rurais, essas percentagens aumentam para 54% e 86%, respectivamente. Ao mesmo tempo, as estatísticas oficiais e os Budget Briefs da UNICEF para 2017 sugerem que os níveis de investimento do governo nessas duas áreas não aumentaram ao longo do tempo e atingiram um mínimo em 2017.
- Assegurar que as meninas permaneçam na escola por mais tempo. Outra variável importante fortemente ligada à desnutrição infantil é o nível de educação da mãe, que por sua vez está relacionado ao casamento prematuro. Seria importante manter as adolescentes na escola o maior tempo possível, adiando o casamento para uma idade posterior. As taxas de inscrição e os anos médios de escolaridade aumentaram significativamente tanto para meninos quanto para meninas nos últimos vinte anos, mas ainda há muito por fazer, especialmente para diminuir as taxas de abandono escolar entre as meninas e garantir a qualidade da educação.
O governo e outras instituições públicas e internacionais que trabalham em Moçambique muitas vezes classificam o bem-estar das crianças como uma prioridade para o desenvolvimento, mas a luta contra a pobreza infantil exige um compromisso sério para reduzir os níveis de privação e as crescentes desigualdades espaciais. Isto é especialmente verdadeiro para aqueles indicadores que melhoraram menos e que são fundamentais para o desenvolvimento humano e económico do país. As intervenções nessas áreas já existem, mas elas precisam ser fortalecidas, ou, tendo em conta os fracos resultados obtidos, redesenhadas criticamente.
As opiniões expressas neste artigo são da autoria do(s) autor(es) e não reflectem necessariamente as opiniões dos parceiros do projecto ou dos seus doadores.