Recessão antes do boom
EVIDÊNCIAS
- Moçambique tem atraído grandes investimentos directos estrangeiros durante esta década. Isso deveria ter gerado um impulso no crescimento da economia. No entanto, o crescimento do país tem estado a reduzir há vários anos.
- Devido à recente crise da dívida, a atrasos nos projectos de gás e a suspensões nas subvenções de doadores, é muito provável que Moçambique enfrente mais vários anos com crescimento reduzido, apesar de continuar a atrair níveis elevados de investimento privado.
Grandes fluxos de investimentos estrangeiros não se traduziram num boom para a economia moçambicana. Pelo contrário, eles prenunciaram um período sustentado de profunda dificuldade económica para o país. Que história está por trás desse fenómeno e quais as suas implicações?
Em 2009–11 foram descobertos grandes reservas de gás ao largo da bacia do Rovuma, no nordeste de Moçambique.
Espera-se que o país beneficie em grande parte dos novos projectos de gás natural, uma vez que várias empresas estrangeiras têm investido muito no sector. Os seus investimentos totais foram estimados em cerca de 100 biliões de dólares, o que tornará os campos de gás do Rovuma no maior projecto de investimento na África Subsariana, se concretizado .
Investimentos em curso, crescimento a abrandar
De acordo com as teorias de crescimento tradicionais, mais investimento significa mais crescimento. Contudo, esse não foi o caso em Moçambique, pelo menos até agora.
Os dados das contas nacionais indicam claramente a natureza única do período após 2010. Antes disso, a quota de Investimento no Produto Interno Bruto (PIB) em Moçambique oscilava tipicamente em torno dos 20% ou menos. Mas, nos cinco anos de 2012 a 2016, a participação do Investimento no PIB foi bastante superior a 40%. Essa grande mudança foi associada principalmente a uma grande onda de investimento directo estrangeiro (IDE) nos projectos de gás.
Apesar disso, como mostra a Figura 1 abaixo, não há evidência do tipo de pico de crescimento que se espera que surja a seguera fluxos muito grandes de IDE. De facto, o crescimento no período desde 2013 foi mais fraco do que em qualquer outro período nos últimos 20 anos.
Além disso, as projecções do FMI na Regional Economic Outlook [Perspectiva Económica Regional] de Abril de 2018 sugerem que a taxa de crescimento até 2019 permanecerá abaixo de 3% e, portanto, o PIB per capita pode até mesmo diminuir ligeiramente.
O que está por trás da desaceleração do crescimento?
As enormes quantidades de gás encontradas no início da década criaram expectativas inflacionadas de receitasprovenientes dos recursos extractivos. Estas expectativas elevadas, por sua vez, contribuíram para que o sector público contraísse empréstimos prematuros e não divulgados, que depois desencadearam uma crise da dívida em Moçambique. Os projectos de gás também tiveram atrasos em relação aos planos iniciais, o que dificulta ainda mais a já difícil situação, uma vez que levará tempo para que as receitas do sector comecem a entrar nos cofres do Estado.
A situação poderia ter sido aliviada de alguma forma se as subvenções de doadores externos não tivessem sido retiradas perante a mudança da situação. No entanto, quando os empréstimos não revelados foram divulgados, o FMI e vários outros doadores suspenderam os seus programas em Moçambique por causa dos dados falsos nos relatórios. Assim, o país foi também alvo de uma redução das subvenções equivalente a cerca de 4% do seu PIB, bem como de um grande aumento nas obrigações do serviço da dívida. Além disso,Moçambique sofreu com a redução dos preços em muitas das suas principais exportações e com os efeitos prejudiciais das secas em 2015, causadas pelo El Niño. A combinação destes factores levou o país a iniciar a nova era da produção de gás numa situação muito mais difícil do que se previa — a recessão chegou antes do boom.
Criar capital nacional e substituir indústrias extractivas por outras actividades
Mesmo quando as grandes receitas da extracção de gás acabarem por se concretizar, é provável que elas precisem de ser em grande parte direccionadas para pagar as ainda elevadas taxas de juro e serviço da dívida. É provável que Moçambique enfrente pelo menos mais seis anos de restrições fiscais, elevados índices de endividamento e baixo crescimento, embora o país ainda esteja a atrair altas taxas de investimento privado.
Isto diminui o seu espaço fiscal. O sector público de Moçambique permanecerá condicionado em termos de capital por vários anos. Com base neste resultado, qualquer excedente proveniente do gás, quando começar a surgir, deve concentrar-se na criação de capital nacional, em vez de acumular saldos, por exemplo, num fundo soberano.
No geral, o investimento público futuro tem de ser muito mais cuidadosa e estrategicamente gerido. Seria aconselhável que Moçambique aumentasse o investimento na transformação da economia, uma vez que os recursos extractivos são, afinal de contas, um recurso esgotável. Tendo em conta esta realidade, outras actividades produtivas precisarão, com o tempo, de tomar o lugar dos recursos extractivos, caso se pretenda que seja sustentável qualquer estímulo inicial ao crescimento e desenvolvimento.
IMPLICAÇÕES
- O sector público de Moçambique permanecerá condicionado em termos de capital por vários anos. Isso implica que, se/quando o excedente dos projectos de gás começar a surgir, ele deve estar concentrado na criação de capital nacional, em vez de acumular saldos num fundo soberano.
- Os recursos extractivos são limitados. Isso significa que, caso se pretenda que qualquer estímulo inicial ao crescimento e ao desenvolvimento seja sustentável, outras actividades produtivas precisarão, com o tempo, de tomar o lugar dos recursos extractivos para garantir alguma transformação da economia.
Este Research Brief baseia-se nos Documentos de Trabalho WIDER intitulados ‘Moçambique—recessão antes do boom – reflexões sobre picos de investimento e novas fontes de gás’, da autoria de Alan Roe. O estudo foi preparado no âmbito do projecto Crescimento inclusivo em Moçambique – expandir a investigação e a capacidade