Research brief

Pobreza multidimensional numa época de múltiplas crises

Um retrato de Moçambique entre 2015-2018

EVIDÊNCIAS

  • Entre 2015 e 2018, houve melhorias no bem-estar em Moçambique. No entanto, a redução da pobreza multidimensional — pobreza definida de acordo com um leque diversificado de privações — abrandou, e o número de pessoas consideradas pobres aumentou em cerca de um milhão, principalmente nas zonas rurais da região centro-norte
  • As províncias mais pobres continuaram a permanecer entre as mais pobres do país e não melhoraram a sua classificação, tendo Cabo Delgado uma probabilidade negativa de melhoria notável
  • As mudanças na pobreza multidimensional foram impulsionadas por mudanças na posse dos bens: uma grande parte da população moçambicana perdeu alguns dos seus bens, o que aumentou as suas privações e retardou a redução global da pobreza

Após décadas de guerra e conflito, Moçambique e a sua economia conheceram uma forte recuperação entre as décadas de 1990 e 2000. Contudo, entre 2015 e 2018, o país passou por múltiplas crises: entre outras, a crise económica e o escândalo da dívida oculta, choques climáticos graves e a crescente violência na região norte. Uma avaliação abrangente e actualizada ajuda a identificar se e como a pobreza multidimensional mudou durante este período desafiador e a encontrar possíveis soluções para a sua redução.

Embora seja habitualmente medida em termos de rendimento ou consumo, a pobreza é um fenómeno multidimensional que engloba vários factores na vida quotidiana dos pobres — por exemplo, privações no acesso à educação, saúde, saneamento, habitação, electricidade, e posse de bens duráveis.

A evolução da pobreza multidimensional em Moçambique entre 2015 e 2018 foi analisada utilizando os dados mais recentes dos Inquéritos Demográficos e de Saúde.

Foi criado um índice de pobreza multidimensional (IPM) que segue a metodologia Alkire-Foster. Foi também feito a comparação da pobreza multidimensional entre áreas e províncias com base na abordagem de dominância da primeira ordem (DPO). Os cálculos para o IPM basearam-se nos padrões de vida, incluindo seis indicadores igualmente ponderados: qualidade do combustível para cozinhar, instalações sanitárias, água potável, electricidade, habitação, e posse de bens. Os agregados familiares eram considerados pobres se estivessem privados de três ou mais indicadores.

Apesar dos ganhos notáveis na redução da pobreza, a pobreza multidimensional persiste

Globalmente, Moçambique registou uma redução notável na pobreza ao longo de 18 anos até 2015. A pobreza de consumo diminuiu cerca de 25 pontos percentuais para 46,1% entre 1997 e 2015, enquanto a incidência da pobreza multidimensional diminuiu significativamente entre 2009 e 2015, de 87% para 79%.

Os indicadores de bem-estar mostram uma melhoria ao longo do tempo, inclusive entre 2015-2018. Contudo, a análise do IPM revela que a taxa de redução da pobreza abrandou acentuadamente, e que não houve uma redução estatisticamente significativa da pobreza multidimensional durante esse período.

Também tem havido uma intensificação preocupante da pobreza quando se faz referência ao número absoluto de pessoas pobres: o número de pessoas multidimensionalmente pobres aumentou em cerca de um milhão, passando de cerca de 21,3 para cerca de 22,2 milhões de pessoas, principalmente nas zonas rurais do centro-norte.

Ao mesmo tempo, a proporção de pessoas sem privações estagnou, enquanto a proporção de pessoas com privações nos seis indicadores, ou com a maior intensidade de pobreza, reduziu moderadamente a nível nacional, mas aumentou ligeiramente nas zonas urbanas.

O facto de não ter havido um grande aumento da percentagem de agregados familiares na categoria de sem privações pode ser associado à paralisação de melhorias globais no acesso a serviços básicos, posse de bens e condições de habitação nos últimos anos. Especialmente no caso da posse de bens duráveis, que inclui bens como veículos e artigos domésticos, houve uma redução na proporção de famílias sem privações, o que aponta para que uma grande parte da população tenha perdido alguns dos seus bens. Em contraste com a habitação e o acesso à água, electricidade e saneamento, os bens podem ser vendidos em tempos de extrema necessidade, levando a uma maior privação, e aumentando a intensidade da pobreza.

Poucas mudanças para os mais pobres – as zonas rurais e as regiões centrais e do norte continuam a ser as mais carenciadas

Entre 2015 e 2018, a probabilidade de as famílias em Moçambique experimentarem uma melhoria do bem-estar foi praticamente nula na maioria das áreas e províncias. As excepções foram a província de Maputo (incluindo a Matola) com uma probabilidade de melhoria de 22%, e as áreas urbanas no seu conjunto com 11%. No outro extremo, a província de Cabo Delgado tinha uma probabilidade negativa de 15%, associada ao efeito de insurreições e choques climáticos na região. Significativamente, também não há evidências de progresso para a cidade de Maputo, para o Niassa, e mesmo para a província de Tete rica em carvão.

Além disso, as províncias mais pobres não melhoraram a sua classificação em comparação com as províncias com melhores condições. As províncias mais pobres, predominantemente nas regiões centro e norte de Moçambique, continuam a ocupar a mesma posição que antes, com os agregados familiares a experimentarem uma incidência substancialmente mais elevada de privações em comparação com os do sul. Com excepção do saneamento, a diferença de bem-estar entre as zonas rurais e urbanas, entre o norte e o sul, e entre o sul e o centro aumentou em 2015-2018.

Estratégias para reduzir a pobreza – questões de inclusão

É provável que as conclusões reflictam o impacto combinado das crises socioeconómicas e dos choques naturais vividos em Moçambique entre 2015-2018, acrescentando aos desafios políticos identificados na Quarta Avaliação Nacional da Pobreza de 2015.

As estimativas actualizadas da pobreza também apontam para a importância de considerar as diferenças nas dimensões e áreas geográficas ao analisar a pobreza, e de como existe uma necessidade indiscutível de utilizar tais evidências para conceber políticas orientadas para os serviços e assistência, particularmente contra a pobreza nas regiões centro e norte, bem como nas zonas rurais de Moçambique. Para combater a elevada pobreza nas zonas rurais, o desenvolvimento agrícola e rural e o emprego associado destacam-se como áreas críticas a ser objecto de medidas políticas.

IMPLICAÇÕES

  • A reducção equilibrada da pobreza e o desenvolvimento inclusivo em Moçambique requerem políticas socioeconómicas espaciais que abordem as concentrações de pobreza nas regiões centro e norte do país.
  • Para enfrentar a elevada pobreza nas zonas rurais, o desenvolvimento agrícola e rural e o emprego associado são áreas críticas a ser objecto de medidas políticas
  • Especialmente em tempos de crise, os recursos devem ser canalizados para as regiões e sectores mais vulneráveis de Moçambique, por exemplo através de políticas que forneçam serviços públicos e protecção social que evitem que as pessoas tenham de vender ou reduzir os seus bens para se sustentarem

Este research brief, encontra-se disponível também em Inglês (disponível em Inglês) baseia-se no WIDER Working Paper 2020/69 ‘Evolution of multidimensional poverty in crisis-ridden Mozambique’, da autoria de Eva-Maria Egger, Vincenzo Salvucci e Finn Tarp. O estudo foi preparado no âmbito do programa Crescimento inclusivo em Moçambique – reforçando a investigaçao e as capacidades.