Research brief

Indústrias exctractivas e diversificação económica em Moçambique

O conteúdo local vai ser a solução?

EVIDÊNCIAS

É pouco provável que o sector extractivo possa ser usado em breve para financiar estratégias de transformação visionárias destinadas a alcançar a diversificação económica. Devido à situação fiscal do país e a atrasos no desenvolvimento do sector do gás natural ao largo da costa, parece que as extractivas não vão disponibilizar receitas adicionais durante pelo menos mais uma década, se não mais.

Se a crise fiscal resultar no aprofundamento da deterioração da provisão de bens e serviços públicos, o ambiente de negócios vai piorar para as micro, pequenas e médias empresas do país.

Existe o risco de se alargar ainda mais o fosso entre as competências e capacidades empresariais disponíveis no país e as que são exigidas pelos projectos de investimento estrangeiro e respectivas redes de abastecimento. Esta perspectiva não se coaduna com as expectativas de que as políticas de conteúdo local possam fornecer a solução milagrosa para diversificar a economia

As indústrias extractivas e as indústrias a elas interligadas esperam um boom em Moçambique. Em teoria, isso pode ser boa notícia para a economia do país. Mas será que estas indústrias podem realmente funcionar como motor de diversificação da economia moçambicana?

Desde 2010, Moçambique tem sido notícia a nível internacional devido à descoberta de quantidades significativas de gás natural ao largo da sua costa. O país tem igualmente por explorar grandes reservas de outros recursos extractivos e não extractivos, e poderá beneficiar do aumento da procura dos minerais necessários à transição global para uma economia de baixo carbono.

Espera-se que o desenvolvimento das indústrias extractivas contribua para a diversificação económica e o desenvolvimento social de Moçambique, nomeadamente através do aumento da procura de bens e serviços produzidos localmente e da disponibilização de empregos para os trabalhadores locais. Contudo, as perspectivas de materialização destas expectativas parecem bastante remotas.

Inexistência de receitas adicionais em breve para financiar políticas de diversificação

A economia formal moçambicana é muito pequena, de base rural e dominada por microempresas. Existe a expectativa de que as receitas das indústrias extractivas disponibilizem recursos para investir em políticas que alimentem o desenvolvimento de um sector privado mais diversificado. No entanto, o panorama económico mais recente não permite grandes esperanças de que isso venha a acontecer.

Photo: er Guiri
Photo: er Guiri

Empréstimos prematuros e não divulgados, considerando por antecipação as receitas do sector de gás, contribuíram para que o país enfrente agora uma grave crise fiscal. O início da construção dos projectos de gás natural propostos, orientados para a exportação, também foi adiado várias vezes. Parece muito provável que não haverá receitas adicionais significativas provenientes dos campos de gás ao largo da costa antes da segunda metade da década de 2020. Se e quando estas receitas começarem a entrar, elas serão reservadas para redução da dívida durante vários anos até à década de 2030.

Diversificar através de políticas de conteúdo local?

As políticas de conteúdo local são uma forma sugerida para ajudar a garantir que o sector contribua para diversificar a economia e beneficiar os moçambicanos. Vários países da região recorreram a determinações obrigatórias sobre aquisição local, emprego e/ou propriedade para conseguir ligar os negócios locais às indústrias extrativas.

No final de 2014, o governo de Moçambique começou a elaborar uma Proposta de Lei de Conteúdo Local específica do sector, para disponibilizar um enquadramento jurídico e regulador para a participação de empresas locais e cidadãos em projectos da indústria extractiva. O projecto de lei não foi finalizado, pois as partes interessadas nacionais têm posições diferentes sobre o assunto.

Uma posição promove o desenvolvimento de cadeias de valor locais, enquanto outra gostaria que as indústrias extractivas tivessem metas obrigatórias de co-propriedade moçambicana dos fornecedores estrangeiros registados localmente.

Desafios que ligam as empresas locais às indústrias extractivas

Seja qual for a posição que Moçambique decida tomar, apostar no conteúdo local para diversificar a economia representa uma perspectiva desafiante. A participação directa nas redes de abastecimento da indústria requer o cumprimento dos elevados padrões do sector, até porque este tem tolerância muito baixa para entregas atrasadas e abaixo do nível. Em Moçambique, a diferença entre aprestação que o sector extractivo requer e o que a economia local é capaz de fornecer é particularmente grande. Por isso, existe o risco de excesso de promessas sobre o que as políticas de conteúdo local podem oferecer.

Photo: Edson Chilundo
Photo: Edson Chilundo

Além disso, o ambiente de negócios piorará ainda mais se a disponibilização de bens e serviços públicos se deteriorar a partir do seu nível já baixo, devido à crise fiscal. Isto irá minar os investimentos em capital humano

e outras formas de capital nacional, de que Moçambique precisa desesperadamente. Existe o risco de que o fosso se alargue ainda mais entre as competências e capacidades empresariais disponíveis no país e as exigidas pelos projectos de investimento estrangeiro e respectivas redes de abastecimento. Esta perspectiva não se coaduna com as expectativas de que as políticas de conteúdo local possam fornecer a solução para diversificar a economia.

Lidar com as barreiras institucionais

Resumindo, as perspectivas são desafiantes para o sector extractivo e para que as aquisições e empregos locais associados contribuam significativamente para a diversificação económica do país. É evidente que melhorar as vidas do moçambicano comum exigirá muito mais do que um sector de recursos naturais em expansão.

Sem se poderem esperar receitas adicionais do sector de recursos extractivos no curto prazo, o ónus está em melhorar o ambiente de negócios para que o sector privado nacional de pequena escala possa criar capital humano e outras formas de capital nacional, apoiando o desenvolvimento mais abrangente e de base rural do sector privado. Não é suficiente esperar que as políticas de conteúdo local forneçam a solução milagrosa para a diversificação económica.

IMPLICAÇÕES

  • As autoridades devem procurar melhorias nos acordos institucionais que sustentam o ambiente de negócios precário do país e prejudicam o desenvolvimento das empresas nacionais.
  • As indústrias extractivas têm de ‘intensificar o seu jogo’ em termos dos esforços feitos para ligar os seus investimentos à economia nacional.

Este Research Brief, também disponível em Português, is based on the WIDER Working Paper 'Que perspectivas tem Moçambique de diversificar a sua economia com base no ‘conteúdo local’?', por Evelyn Dietsche e Ana Maria Esteves. O estudo foi preparado dentro do projecto da UNU-WIDER sobre Natural resources, structural change, and industrial development in Africa  parte de um projecto de pesquisa da UNU-WIDER sobre emprego, pobreza, e mudança estrutural em África; e também dentro do programa Crescimento Inclusivo Moçambique—reforçando a investigação e as capacidades.