Policy brief

O papel das políticas de impostos e benefícios durante a pandemia da COVID-19 em 2020 em Moçambique

CONCLUSÕES

  • Crescimento do PIB foi severamente prejudicado pela pandemia da COVID-19 em Moçambique, estimando-se que sete dos nove sectores contraíram durante os primeiros nove meses da pandemia
  • A excelente produção agrícola provavelmente amorteceu os efeitos imediatos da pandemia para as famílias mais pobres
  • O sistema geral de impostos e benefícios teve um efeito irrisório no amortecimento contra as perdas de rendimento
  • No entanto, o pagamento adicional de benefícios do Programa Subsídio Social Básico proporcionou um importante apoio ao rendimento para a parte mais pobre da população, realçando a importância de tais iniciativas

Moçambique reportou o seu primeiro caso da COVID-19 em 22 de Março de 2020. As estimativas do PIB sugerem um forte efeito da pandemia, com uma redução de sete dos nove dos sectores de actividade analisados. No entanto, o sector agrícola – um dos mais importantes – registou um aumento de 9%, que pode ter amortecido o impacto da pandemia.

O governo também adoptou medidas para mitigar os efeitos da pandemia, tendo imposto, como resposta rápida, um alívio tarifário dos serviços públicos. Numa fase posterior, foram adoptadas transferências monetárias para famílias vulneráveis, entre Agosto e Dezembro de 2020, concedendo, especificamente, um apoio temporário adicional aos beneficiários do Programa Subsídio Social Básico de transferência de dinheiro igual a três meses do seu pagamento mensal habitual.

Utilizando o MOZMOD, o modelo de micro-simulação de impostos e benefícios para Moçambique, este Policy Brief visa fornecer provas de como as políticas de impostos e benefícios tiveram impacto, à luz da pressão da pandemia da COVID-19, sobre os rendimentos, a pobreza e a desigualdade. A análise centra-se em 2020 e, portanto, nos primeiros nove meses de pandemia.

A maioria dos sectores foi negativamente afectada pela crise

Em comparação com a tendência do PIB 2017-19, a pandemia reduziu o PIB globalmente em -5,8% (ver Figura 1). A crise prejudicou gravemente a indústria fabril, as indústrias extractivas e minerais e os serviços. No entanto, a agricultura, a silvicultura e as pescas – os sectores que empregam a maior fatia da população – tiveram um bom ano, impulsionado pela produção de cereais (milho, mapira, arroz), tubérculos (mandioca, batata-doce) e o aumento da produção de feijão. Um ano depois do sector ter sido severamente atingido por dois ciclones, a taxa de crescimento estimada foi de 9%.

Traduzimos os impactos sectoriais acima referidos para os rendimentos dos indivíduos e, em última análise, o consumo nos dados do inquérito micro-nível utilizados pelo modelo MOZMOD para analisar a forma como se desempenhou o sistema de impostos e benefícios durante a crise.

Figura 1: Impacto estimado no PIB em todas as indústrias, Moçambique, 2020


Notas: Mais informações sobre a estimativa do impacto no PIB a nível industrial disponível em Oliveira et al (2021) “Imputation methods for adjusting SOUTHMOD input data to income losses due to COVID-19 crisis”. Nota Técnica 2021/19. UNU-WIDER.
Fonte: Elaboração dos autores utilizando dados económicos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, Moçambique (Publicação das Contas Nacionais IV para o 4.º trimestre de 2020).

Os ganhos e rendimentos disponíveis diminuíram no meio e no topo da distribuição dos rendimentos: protecção limitada do impacto pelo sistema geral de impostos e benefícios

Para a parte média e superior da distribuição do rendimento disponível, os ganhos diminuíram em cerca de 3,7%, 7,4% e 7,8%, em relação à situação pré-COVID (Figura 2). Particularmente, na metade superior da distribuição, isso deve-se principalmente a perdas de ganhos (barra escura).

Por outro lado, o sistema geral de impostos e benefícios que antecedeu à crise (os chamados “estabilizadores automáticos”), teve um impacto muito limitado no amortecimento contra as
perdas de rendimento (barra cinzenta clara na Figura 2). A redução automática dos pagamentos de impostos e das contribuições para a Segurança Social devido à redução dos rendimentos durante a crise beneficiou, principalmente, aos relativamente poucos indivíduos que trabalham no sector formal, principalmente o quartil mais rico das famílias.

Figura 2: Decomposição das variações do rendimento médio disponível das famílias por quartil em Moçambique, 2020


Fonte: Elaboração dos autores utilizando o MOZMOD v.2.7 e o Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF), 2014

As políticas discricionárias em resposta à crise atingiram os mais pobres, mas com um impacto insignificante na pobreza

Em Moçambique, embora muitas das famílias no último quartil da distribuição de rendimentos reportem rendimento zero, todasas famílias reportam consumo não nulo, pelo que, portanto, não é possível calcular a variação relativa do rendimento do quartil inferior. No entanto, as políticas da COVID-19 também aumentaram os rendimentos e, consequentemente, aumentaram as oportunidades de consumo para este grupo da população em termos absolutos.

A expansão do Programa Subsídio Social Básico não só beneficiou às famílias mais pobres, como beneficiou entre 6 a 7% das famílias nos três quartos inferiores da distribuição, uma vez que a elegibilidade para o programa depende de muitos outros factores além do rendimento. No entanto, relativamente ao rendimento inicial das famílias, o montante adicional fornecido foi consideravelmente mais elevado no segundo quartil (22%) do que no terceiro (2%). Para as famílias no segundo quartil mais baixo da distribuição de rendimentos, as políticas relacionadas com a COVID-19 (barra cinzenta na Figura 2) compensaram assim a maior parte do impacto dos ganhos.

Dada a gravidade da pobreza no país, esses efeitos favoráveis ao rendimento não são suficientemente grandes para atenuar de forma significativa o aumento da pobreza baseada no consumo (Tabela 1). Enquanto a taxa aumenta 4,4% (coluna C), de 46,78% (coluna A) para 48,82% (coluna B), no geral, as políticas relacionadas com a COVID-19 apenas aliviam 0,1% da variação global (coluna D). As medidas também não foram muito eficazes na mitigação do aumento ainda maior (7,6%) da lacuna da pobreza. A desigualdade medida pelo coeficiente de Gini aumentou 0,8% no total.

Tabela 1: Decomposição dos efeitos da pandemia na pobreza e na desigualdade, Moçambique, 2020


Notas: O quadro apresenta estimativas baseadas no consumo do impacto da pandemia da COVID-19 sobre diferentes medidas de pobreza e desigualdade em Moçambique. Coluna (C), “Alteração total”, mostra o impacto global. Coluna (E), “Outros efeitos”, refere-se ao impacto da crise na ausência de alterações políticas relacionadas com a COVID-19. Coluna (D), “Efeito das políticas COVID”, mostra o efeito independente das políticas da COVID-19, comparando o cenário COVID com essas políticas decretadas a um cenário sem elas. A linha nacional de pobreza para 2020 é utilizada nos cálculos da pobreza. A significância estatística baseia-se em erros estândar após 200 permutações. Níveis de significância indicados como * p < 0,1, ** p < 0,05, *** p < 0,01. Fonte: Elaboração dos autores utilizando o MOZMOD v.2.7 e o Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF), 2014–15.

Devido a restrições de dados, a análise não pôde ter em conta a expansão do Programa Apoio Social Directo, que provavelmente teria atenuado ainda mais o impacto prejudicial da crise.

RECOMENDAÇÕES ESTRATÉGICAS

À luz do agravamento da crise da COVID-19 em 2021, e das lentas campanhas de vacinação, a introdução de transferências adicionais em 2021, como as Transferências Directas Pós Emergência (PASD-PE), será fundamental para as pessoas mais pobres

Será importante, a longo prazo, apoiar o crescimento do sector formal para reforçar o potencial do sistema geral de impostos e benefícios para estabilizar os rendimentos das famílias no meio e no topo da distribuição dos rendimentos em tempos de crise

A colecta de dados actualizados com informações detalhadas sobre como as famílias foram afectadas ao longo da crise seria fundamental para melhorar a compreensão e gerir os efeitos da pandemia da COVID-19 e das crises futuras

O QUE É O COEFICIENTE GINI?
É um índice que mede a dimensão da desigualdade e é frequentemente utilizado para a análise da desigualdade de rendimentos prevalecente num país. Tem valor 0 no caso de igualdade perfeita (todos têm o mesmo rendimento) e 1 (ou 100) no caso de desigualdade perfeita (uma única pessoa acumula todo o rendimento nacional). As estimativas do coeficiente Gini para o rendimento em todo o país variam entre cerca de 0,25 (como em alguns países nórdicos) para cerca de 0,60 (em partes da África Oriental e Austral, e, antigamente, no Brasil). O coeficiente Gini também pode ser expresso em percentagem que varia entre 0 e 100.

Devido a restrições de dados, a análise não pôde ter em conta a expansão do Programa Apoio Social Directo, que provavelmente teria atenuado ainda mais o impacto prejudicial da crise.

Este brief também está disponível em inglês.

Este resumo, também disponível e inglês (available in english) baseia-se no documento de trabalho da WIDER 2021/148, The mitigating role of tax and benefit rescue packages for poverty and inequality in Africa amid the COVID-19 pandemic, de Jesse Lastunen, Pia Rattenhuber, Kwabena Adu-Ababio, Katrin Gasior, H. Xavier Jara, Maria Jouste, David McLennan, Enrico Nichelatti, Rodrigo C. Oliveira, Jukka Pirttilä, Matteo Richiardi, e Gemma Wright.