Moçambique: melhorando a nossa compreensão do potencial da manufactura
A indústria manufactureira de Moçambique enfrenta muitos desafios. No entanto, não devemos subestimar as suas ligações com o resto da economia e o seu potencial em termos de criação de empregos e transformação estrutural.
No dia 23 de Abril de 2018, o projecto Crescimento Inclusivo em Moçambique acolheu um fórum público onde foi apresentado um relatório sobre o ambiente de negócios para as indústrias manufactureiras moçambicanas. Nos debates do fórum, que teve lugar em Maputo, participaram parceiros do projecto, empresários, estudantes, pesquisadores e a comunicação social, bem como decisores políticos.
O que realmente gostei neste evento foi que muitas pessoas pareciam estar profundamente interessadas e com vontade de conhecer mais sobre o sector privado e especialmente sobre as empresas manufactureiras em Moçambique. Já no início do projecto sabíamos que não havia muitos dados e estatísticas sobre empresas manufactureiras que estariam publicamente disponíveis ou conhecidas. Mas tem sido particularmente impressionante, no entanto, perceber o quão profunda é a falta de informação confiável ou percebida como tal. Tanto os decisores políticos quanto a comunidade empresarial reconheceram que isso certamente não ajuda na formação de políticas ou na análise de políticas, nem apoia o desenvolvimento empresarial.
O Inquérito às Indústrias Manufactureiras 2017 (IIM 2017), é um passo para ultrapassar a falta de informação sobre o assunto. Baseia-se nos dados recolhidos em 2012 (Inquérito às Indústrias Manufactureiras 2012, IIM 2012) para traçar como a alteração das condições económicas afectou o desenvolvimento das empresas no sector manufactureiro. A pesquisa engloba o desempenho económico do sector, suas relações comerciais e redes de negócios, crédito e finanças, informalidade e força de trabalho, bem como as características de liderança.
Atingidos pela crise económica
Foi alarmante ouvir que a recente crise económica que afectou Moçambique a partir de 2015 teve efeitos muito maiores sobre a actividade manufactureira e especialmente sobre a força de trabalho do que geralmente se pensava. Muitas empresas fecharam, tendo as empresas sobreviventes sido forçadas a reduzir o número de trabalhadores e a substituir trabalhadores a tempo inteiro por trabalhadores a tempo parcial. Além disso, Moçambique não melhorou o ambiente legal e de negócios nos últimos anos, pelo que a sua classificação no ranking Doing Business do Banco Mundial não melhorou, o que também não ajudou.
A discussão no fórum público focalizou-se em perceber como a política pode lidar com essas questões, para permitir que as empresas prosperem. As várias questões colocadas aos palestrantes e ao painel de discussão mostraram que o espectro de opiniões e percepções sobre a questão é muito amplo. Por exemplo, alguns acham que o governo é o maior responsável pela (falta de) sucesso industrial nos últimos anos, enquanto outros acreditam que as empresas manufactureiras deveriam ter sido mais dinâmicas e poderiam ter aproveitado melhor as oportunidades e incentivos criados pelo governo.
Mensagens chave
A primeira mensagem importante do fórum foi que o sector industrial e especialmente o manufactureiro, é claramente pouco estudado. Este é especialmente o caso quando falamos de criação de emprego, ligações com o resto da economia e da importância da manufactura em termos de transformação estrutural.
A partir de uma série de Working Papers da UNU-WIDER de António Cruz et al. [1,2,3,4], sabemos que em Moçambique ainda não ocorreu uma transformação estrutural e cerca de 80 por cento da sua força de trabalho ainda está na agricultura, aplicando tecnologia tradicional manual e de baixa produtividade. No entanto, Cruz et. al. notam que embora a participação da indústria manufactureira no PIB total seja relativamente baixa, o seu valor acrescentado médio anual por trabalhador é muito mais alto do que para outros sectores. Isto nos dá evidências do potencial do sector manufactureiro para criação de valor acrescentado e para a estimulação do crescimento económico. Além disso, embora os grandes projectos de recursos naturais tenham mostrado ligações fracas com o resto da economia, a indústria manufactureira parece ter maior potencial em termos de criação de empregos e spill-overs. Além disso, a maioria das empresas de propriedade de investidores domésticos encontra-se no sector manufactureiro.
A segunda mensagem é que o efeito da crise económica de 2015 foi também subestimado neste sector, especialmente em relação à perda de empregos e ao número de empresas que fecharam. Em um Policy Brief baseado no mesmo relatório, Ricardo Santos observa que as empresas que sobreviveram à crise económica adoptaram uma gestão restritiva dos recursos humanos, reduzindo a força de trabalho e tornando-a mais flexível, o que, por sua vez, tornou o emprego mais vulnerável.
Finalmente, as políticas públicas nesta área, de facto, têm um grande efeito e podem afectar as empresas, seja positiva ou negativamente. Mais uma vez sabemos, de Cruz et. al., que, em geral, as políticas industriais não conseguiram promover a diversificação da produção e a expansão do produto como proporção do PIB e que o Estado ainda tem uma influência muito forte na criação e desenvolvimento de empresas por meio do processo de licenciamento, inspecções trabalhistas e inspecções de impostos. Como exemplo, uma lei de conteúdo local está sendo elaborada para atender à necessidade de desenvolver novas conexões entre empresas locais e indústrias extractivas, e a sua versão final será crucial para a expansão do sector manufactureiro. O governo moçambicano apoiou a criação de sinergias entre empresas em diferentes sectores, com algumas evidências de sucesso e outras menos encorajadoras. (Moçambique conseguiu estabelecer e gerir algumas das instituições necessárias para apoiar a industrialização - zonas de processamento de exportação, zonas de desenvolvimento acelerado, um instituto para a promoção de micro, pequenas e médias empresas, um fundo de desenvolvimento distrital, um parque tecnológico, uma janela electrónica única para compensação de importações, entre outros). Isso é amplamente reconhecido como um dos exemplos positivos de apoio político ao sector empresarial.
Por outro lado, a recente crise económica em Moçambique foi desencadeada por decisões políticas muito questionáveis. Estas enfraqueceram profundamente a confiança das instituições internacionais e dos parceiros de desenvolvimento e estão entre os exemplos de políticas que tiveram um efeito negativo no sector manufactureiro de Moçambique.
O Inquérito as Indústrias Manufactureiras 2017, foi planificado e implementado pelos pesquisadores do Development Economics Research Group (DERG) da Universidade de Copenhaga, do United Nations University World Institute for Development Economics Research (UNU-WIDER) e o Centro de Estudos de Economia e Gestão (CEEG) da Universidade Eduardo Mondlane(UEM) em Maputo no âmbito do projecto Crescimento Inclusivo em Moçambique. Veja o relatório completo aqui
As opiniões expressas neste artigo são da autoria do(s) autor(es) e não reflectem necessariamente as opiniões dos parceiros do projecto ou dos seus doadores.