Opinião

A década difícil de Moçambique: três lições para informar os próximos passos

No início da última década, as perspectivas de Moçambique pareciam fantásticas. No seguimento dos primeiros anos da década de 1990, quando a paz finalmente chegou após um conflicto armado devastador e prolongado, este vasto país na África austral pôde olhar para trás com orgulho para um período sustentado de rápido crescimento e redução da pobreza

Moçambique era um dos melhores alunos da comunidade internacional de desenvolvimento, desfrutando de um apoio directo significativo ao orçamento do governo, e as possibilidades de investimento no sector de recursos naturais pareciam brilhantes.

Até 2016, muito desse lustro havia sido perdido. Em parte, isso deveu-se a uma crise económica relacionada com a descoberta de dívidas ilegais contraídas por recém-formadas empresas estatais. Em última análise, estas pareciam ter sido desenhadas para enriquecer uma pequena elite política e seus colaboradores estrangeiros. E isso levou os doadores internacionais a congelar grande parte do seu apoio financeiro.

Mas o aumento das dívidas não foi o único desafio. No início de 2010, as perspectivas para o sector do carvão – que, segundo projecções conservadoras, iria gerar USD 1 mil milhões em receita pública anual até esta data – foram reduzidas. A saída da Rio Tinto em 2014, com prejuízo para a empresa de mais de USD 3 mil milhões, foi indicativa.

Aceleremos até os dias de hoje. A macroeconomia está um pouco mais estável. No entanto, pouco da promessa de 10 anos atrás foi cumprido. Embora os fluxos massivos de investimento privado tenham continuado, o crescimento económico real desacelerou nitidamente. A pobreza e outros indicadores de privação também permaneceram teimosamente altos.

E conflictos graves têm surgido, especialmente no norte do país. Estima-se que 700.000 pessoas – 2% da população do país – tenham sido deslocadas internamente devido ao conflito.

Grandes investimentos no sector de gás natural foram adiados ou cancelados. E o maior investimento potencial, da gigante francesa Total, foi agora colocado em espera indefinida (se não permanente), alegando preocupações com a segurança.

O COVID-19 foi mais um acrescento à lista de desafios complexos e prolongados que o país enfrenta.

Em suma, Moçambique viveu uma década difícil. É hora de reconhecer que a estratégia de desenvolvimento deste período não deu certo.

Retirando algumas lições

Estão a surgir algumas lições sobre porque o recente caminho de desenvolvimento de Moçambique não correspondeu às expectativas. Elas são relevantes para evitar mais erros. Servem também como um alerta para outros países de baixo rendimento que apostam intensamente no investimento estrangeiro directo estrangeiro em grande escala.

Três lições se destacam:

Não acredite na publicidade: Uma característica consistente e definidora do envolvimento de empresas estrangeiras no sector de recursos naturais de Moçambique tem sido a sua tendência de fazer previsões extremamente optimistas sobre seu próprio sucesso. Um exemplo foi a Rio Tinto, que proclamou em 2011 que suas operações recém-adquiridas em Moçambique representavam a “maior reserva submarina subaproveitada de carvão de coque do mundo”.

Os calendários de projecto têm sido rotineiramente extra-optimistas, sugerindo que a produção e as receitas do governo entrarão rapidamente em operação, para benefício de todas as partes. Infelizmente, como constata a queixa da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (US Securities and Exchange Commission) contra os gerentes da Rio Tinto:

As realidades no terreno em Moçambique rapidamente minaram a {sua} narrativa {optimista}.

Tanto os parceiros internacionais como as autoridades governamentais têm alinhado na mesma música. A avaliação de sustentabilidade da dívida feito pelo Fundo Monetário Internacional em 2015 projectou que a produção de gás natural liquefeito (GNL) começaria já em 2021. E que geraria taxas de crescimento anual de 50% no valor das exportações.

Igualmente, a apresentação do Governo de Moçambique em 2016 aos credores comerciais sugeriu que a nova produção de Gás Natural Líquido (GNL) deveria estar operacional já em 2022/23, gerando um crescimento de dois dígitos no PIB real. De um só golpe, os problemas da dívida externa do país seriam resolvidos.

Essas projeções eram extremamente otimistas.

É claro que uma visão retrospectiva tem óbvias vantagens. Mas previsões excessivamente optimistas, usadas depois como presupostos-chave para prever a sustentabilidade macroeconómica futura, foram repetidas em várias ocasiões.

O investimento estrangeiro é um meio, não um fim: O tema dos investimentos em recursos naturais dominou as discussões políticas em Moçambique na última década. Garantir que estes projectos avancem parece frequentemente ser o único objectivo, garantindo automaticamente que Moçambique se torne um país de rendimento médio, talvez até o “Qatar de África”.

Infelizmente, os desafios macroeconómicos emergentes apenas consolidaram a importância de finalizar esses investimentos. A mensagem do FMI foi clara:

Garantir que a produção de GNL se materialize continua a ser importante para garantir a sustentabilidade da dívida de Moçambique a longo prazo.

Mas os investimentos em recursos naturais em países de baixo rendimento raramente geraram ganhos de desenvolvimento generalizados. Como mostram as experiências da Nigéria e de Angola, os benefícios costumam ser extremamente limitados e capturados por uma pequena elite. Na pior das hipóteses, os efeitos distorcivos podem minar a competitividade no resto da economia, deixando os pobres ainda mais pobres.

 

Pode-se argumentar que alguns desses efeitos já foram aparentes em Moçambique. Milhões de dólares foram injectados na capital do país, alimentando vários investimentos imobiliários para o segmento alto. Quaisquer dividendos para os pobres ainda estão por surgir. E o investimento público colapsou.

Uma lição mais geral é que nunca é fácil fazer a gestão de investimentos privados de grande escala de modo que eles forneçam ganhos de desenvolvimento de base ampla (inclusiva).

No mínimo, junto com uma vontade política genuína, exige uma melhoria pró-activa das capacidades do Estado. Isso inclui o fortalecimento das instituições e a qualidade da governação económica. Sem isso, as fraquezas são facilmente exploradas em benefício privado das empresas e de facções locais corruptas.

 

Não nos esqueçamos dos pobres: O outro lado da moeda do foco nos investimentos em recursos naturais tem sido a falta de atenção a outros sectores, bem como a padrões de desenvolvimento regional e rural-urbano cada vez mais desequilibrados. Um gradiente pronunciado norte-sul tem sido evidente numa série de resultados socioeconómicos ao longo de décadas. Mas o desequilíbrio piorou nos últimos anos.

Muitos analistas sugerem que os conflictos atuais, particularmente no norte, reflectem directamente as crescentes desigualdades. A lição é que o aumento da desigualdade, particularmente em países como Moçambique, onde a construção da nação continua um trabalho em curso, pode representar uma ameaça muito séria ao sucesso do desenvolvimento.

O que vem a seguir?

Para além da cessação imediata do conflicto, Moçambique necessita de um conjunto coerente de políticas, não de projectos, baseado numa visão clara para o desenvolvimento do país como um todo.

Estes não podem ser formulados no luxo dos escritórios com ar-condicionado de Maputo, Bruxelas ou Washington. Sem uma compreensão genuína das complexidades das “realidades no terreno”, incluindo as fraquezas na capacidade do Estado e as dinâmicas políticas, é provável que os erros anteriores se repitam. Auscultar as comunidades pobres, aprender com os sucessos locais e construir uma visão comum – e realista – do futuro é fundamental.

Isso leva tempo. Delegá-lo a consultores externos ou pessoas dos aparelhos políticos será uma receita para o fracasso.

Mas o processo da construção de uma visão de desenvolvimento inclusiva também representa uma oportunidade – de construir a capacidade do estado, bem como de renovar o actual frágil pacto social.

Cultivar motores de crescimento económico fora do sector de recursos naturais será crítico para o desenvolvimento e a sustentabilidade de longo prazo. Na sua ausência, pode não ser tão mal se alguns recursos naturais permanecerem no solo.

 

Sam Jones, Research Fellow, World Institute for Development Economics Research (UNU-WIDER), United Nations University e Finn Tarp, Professor de Economia, Universidade de Copenhagen

Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do(s) autor(es) e não reflectem necessariamente as opiniões do Instituto ou da United Nations University, nem dos doadores do programa/projecto.