Opinião

Desenvolvimento agrícola em Moçambique – aproveitando oportunidades com um novo conjunto de dados

A agricultura sempre foi a base da economia de Moçambique, com mais de 70% da população a depender deste sector para o seu sustento e contribuindo com 23% do PIB nacional. Apesar da sua importância, o país enfrenta desafios significativos para aumentar a produtividade agrícola, impulsionar a economia e reduzir a pobreza de forma sustentável. Um novo conjunto de dados, produzido no âmbito do programa Crescimento Inclusivo em Moçambique (IGM), revela tendências promissoras e barreiras persistentes, destacando as dificuldades de progresso no sector agrícola do país.

O papel dos dados na tomada de decisões políticas

Neil Palmer, 2016 CIAT
Neil Palmer, 2016 CIAT

A formulação de políticas baseadas em evidências é essencial para enfrentar desafios complexos de desenvolvimento. Dados fiáveis e de alta qualidade são a base sobre a qual devem ser construídas políticas agrícolas eficazes. Para Moçambique, a criação de um conjunto de dados harmonizado, a partir de uma série de inquéritos agrícolas realizados entre 2002 e 2020 pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER), representa um avanço significativo. Este conjunto de dados reúne informações sobre produção, escolhas e estratégias dos pequenos agricultores, proporcionando uma visão abrangente do sector agrícola. Trata-se de uma ferramenta fundamental para a conceção de políticas que respondam diretamente às necessidades dos agricultores, melhorando a produtividade e as condições de vida no meio rural.

O desafio da baixa produtividade

Uma das principais questões identificadas no conjunto de dados é o ritmo lento da transformação agrícola. Os pequenos agricultores, que representam 99% do sector, enfrentam desafios de baixa produtividade. Por exemplo, a produção média de milho em Moçambique é de uma tonelada por hectare, um valor muito inferior ao de países vizinhos como a África do Sul (5 toneladas/hectare) ou os Estados Unidos (11 toneladas/hectare). Esta diferença de produtividade contribui diretamente para a pobreza, pois as famílias agricultoras não conseguem gerar rendimentos suficientes.

A lenta adoção de insumos modernos

O aumento da produtividade continua limitado pela baixa adoção de insumos agrícolas modernos, como sementes melhoradas, fertilizantes e irrigação. Estes elementos são essenciais para o aumento dos rendimentos agrícolas, o abastecimento do sector agroindustrial e a inserção nos mercados globais de exportação. No entanto, o acesso a esses insumos varia significativamente entre as províncias. Por exemplo, enquanto a província de Tete apresenta uma taxa de uso de fertilizantes de 16%, em Zambézia e Sofala, essa taxa não ultrapassa os 2%. O mesmo ocorre com o uso de pesticidas e equipamentos mecanizados, que ainda são muito limitados.

Limitações de terra e desigualdade de rendimento

Os dados também revelam uma redução de 21% no tamanho médio das explorações agrícolas familiares entre 2002 e 2020. Esta tendência é mais evidente na região Sul e pode dificultar a capacidade dos agricultores de aumentar a produção comercial. Apesar do aumento dos rendimentos em algumas áreas, a redução do tamanho das parcelas indica um ciclo de oportunidades limitadas—um verdadeiro círculo vicioso da pobreza.

Desafios da comercialização

Embora o sector agrícola moçambicano tenha registado um crescimento fragmentado, a comercialização continua a ser um grande desafio. Os dados indicam que cada vez menos famílias vendem produtos agrícolas, especialmente nas regiões Centro e Sul, onde a integração com os mercados é fraca. Isso limita a capacidade dos agricultores de obter lucros com a sua produção, travando o crescimento económico e a transformação do sector agrícola.

Land O'Lakes, Venture 37
Land O'Lakes, Venture 37

Superar o défice de financiamento para o crescimento agrícola

Apesar do papel central da agricultura na economia, Moçambique tem enfrentado défices persistentes no financiamento de políticas agrícolas. Embora o orçamento previsto para o sector tenha aumentado, as alocações efetivas ficaram aquém do necessário, dificultando os esforços para a modernização da agricultura.

Oportunidades de crescimento e expansão

Apesar desses desafios, existem tendências positivas que podem servir de base para o crescimento futuro. O aumento da produtividade agrícola ao longo do período analisado—especialmente nas regiões Norte e Centro—oferece um ponto de partida sólido para a melhoria dos rendimentos agrícolas. Além disso, pequenos agricultores envolvidos na produção de culturas comerciais—especialmente aqueles integrados em esquemas de produção contratada (out-grower schemes)—demonstraram maiores receitas em comparação com aqueles que operam de forma independente. Com a devida regulação, a expansão desses esquemas pode impulsionar o crescimento do sector agrícola.

Conclusão: políticas baseadas em dados para o desenvolvimento sustentável do sector agrícola

Moçambique encontra-se num momento crucial para o desenvolvimento da sua agricultura. A visão detalhada proporcionada pelo conjunto de dados harmonizado do programa IGM é essencial para apoiar decisões estratégicas. 

Ao priorizar os pequenos agricultores, melhorar o acesso a insumos agrícolas modernos e reforçar a formulação de políticas baseadas em evidências, o governo pode superar desafios estruturais que limitam o crescimento do sector.

Investigadores e decisores políticos devem utilizar e expandir este conjunto de dados para desenvolver políticas agrícolas alinhadas à realidade do país. Com um uso eficiente dos recursos, Moçambique pode construir um sector agrícola mais competitivo, resiliente e inclusivo para o futuro.


Márcia Chelengo é Analista no Ministério da Planificação e Desenvolvimento de Moçambique

Sam Jones é Investigador Sénior no UNU-WIDER, baseado em Moçambique

Finn Tarp é Professor de Economia na Universidade de Copenhaga e ex-Director do UNU-WIDER

Os autores deste blog são coautores do relatório Desenvolvimento Agrícola em Moçambique: Tendências, Desafios e Oportunidades (em inglês). O relatório baseia-se no conjunto de dados harmonizado do sector agrícola, mencionado neste blog. Tanto o conjunto de dados como o relatório foram produzidos no âmbito do programa Crescimento Inclusivo em Moçambique (IGM).

As opiniões expressas neste artigo são dos autores e não refletem necessariamente as posições do Instituto, da Universidade das Nações Unidas ou dos doadores do programa/projecto.