Desenvolvimento Agrário em Moçambique 2002-2020
Importância da agricultura
Consagrada na Constituição da República de Moçambique, a agricultura é vista como fundamental para o desenvolvimento do país. Actualmente, o sector é a fonte principal de rendimento para mais de 70% da população Moçambicana, também contribuindo para o PIB em 23% (notavelmente mais elevado do que a média da África Subsaariana). Apesar disso, a produtividade agrícola, especialmente na agricultura de pequena escala, é inferior à de países vizinhos. Por exemplo, enquanto a produtividade do milho é geralmente baixa na África Subsaariana comparando com outras regiões, a produtividade em Moçambique está cerca de 1 ton/ha, versus 5 ton/ha na África do Sul, 4,5-5 ton/ha nos países da Ásia e América do Sul e 11 ton/ha nos Estados Unidos. A baixa produtividade de agricultura em Moçambique contribui para a persistência da pobreza, principalmente nas famílias que dependem da agricultura para sua subsistência
Base de dados harmonizados para o sector
O relatório Desenvolvimento Agrário em Moçambique: Tendências, Desafios e Oportunidades baseia-se num conjunto novo de microdados harmonizados de 11 inquéritos agrícolas realizados entre 2002 e 2020 pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Moçambique (MADER). Essa base de dados compila informações detalhadas sobre a produção, preferências e estratégias dos agricultores de pequena escala, e permite, pela primeira vez, uma avaliação consistente das dinâmicas agrícolas no país. Assim sendo, constitui uma inovação significativa.
Tendências principais
Diminuição do tamanho médio da terra cultivada
Entre 2002 e 2020, a área total cultivada no país aumentou, passando de 4,03 milhões de ha para 5,05 milhões de ha, impulsionada principalmente pelas províncias do Norte, onde aumentou de 1,30 para 1,73 milhões de ha, e do Centro, onde a área passou de 1,93 para 2,73 milhões de ha. No Sul, a tendência foi contrária: a área gerida por pequenos agricultores diminuiu de 0,80 para 0,58 milhões de ha, esta tendência está de acordo com a mudança para outras atividades económicas nesta região.
Quanto à área média cultivada por família agrícola de pequena dimensão, esta teve tendência a reduzir entre 2002 e 2020, com uma diminuição de cerca de 21% a nível nacional. Em 2020 a nível regional registava-se uma média de 1,2ha no Centro (comparado com 1,6ha em 2002), 1,0 ha no Norte (comparado com 1,2ha em 2002), e 0,8 ha no Sul (comparado com 1,4ha em 2002).
Aumento do rendimento
Um aspeto chave do desempenho do sector é o nível rendimento, aqui medido em toneladas (1.000 kg) equivalentes de milho por hectare. Os micro-dados mostram que entre 2002 e 2020, houve um crescimento consistente dos rendimentos no Norte e Centro do país, com o Norte apresentando o aumento mais expressivo. Ademais, no Sul, a tendência foi contrária, com a região registando uma queda significativa no rendimento médio global. Este desenvolvimento pode ser atribuído à diversificação das fontes de rendimento (redução da população que trabalhou na agricultura em 25,53% de 2005 a 2017), inclusive a redução da importância do sector no geral na região.
No entanto, o aumento dos rendimentos globais, embora indicativo do progresso agrícola, não é inerentemente um sinal de melhoria dos meios de subsistência para os pequenos agricultores devido à diminuição das áreas cultivadas por agregado familiar.
Figura 1: Rendimento global médio por região 2002-2020
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Fonte: Elaboração do autor com base no conjunto de dados harmonizados do TIA/IAI.
Nota: O rendimento global é uma média ponderada em que os pesos são indexados à contribuição calórica do milho.
Limitação no uso de insumos modernos
Insumos modernos referem-se a produtos ou tecnologias avançadas utilizadas na agricultura para aumentar a produtividade e a eficiência das práticas agrícolas, tais como sementes, fertilizantes, pesticidas, irrigação e maquinaria.
A base de microdados mostra que os pequenos agricultores têm acesso variável à esses recursos e que o uso dos mesmos mantem-se limitado. A província de Tete destaca-se com a maior taxa de utilização de fertilizantes (16% em 2020; 15,5% em 2002), enquanto as províncias de, Zambézia e Sofala registam taxas muito baixas (1,57 e 1,54%, respectivamente, em 2020; 1 e 0,72% em 2002). O uso de pesticidas foi ainda mais limitado, com uma média nacional de 4,2% e a adoção de equipamentos mecanizados continua baixo com 10% independentemente do tipo de cultura.
Embora tenha havido um ligeiro aumento (2% para ambos) no uso de fertilizantes e estrume entre 2002 e 2020, a utilização de pesticidas e irrigação diminuiu (2% e 4%, respectivamente), sugerindo uma lenta modernização agrícola
Figura 2: Factores de produção agrícola modernos ao longo do tempo
Fonte: Elaboração da autora com base no conjunto de dados harmonizados do TIA/IAI
Comercialização limitada
Entre 2002 e 2020, registaram-se algumas mudanças na quota de comercialização, definida como a percentagem de agregados familiares envolvidos na venda de produtos agrícolas, em relação ao total de agregados familiares. A região Norte demonstrou flutuações no período, culminando com um ligeiro aumento de 64,9% em 2002 para 65,8% em 2020 (Tabela 1). Em contraste, a região Sul registou um declínio acentuado de cerca de 35 pontos percentuais, à semelhança da região Centro, que também apresentou reduções notáveis (16%).
Esses declínios na comercialização refletem um conjunto de desafios no sector agrário, incluindo diferenças regionais na dimensão das explorações agrícolas, utilização de tecnologia e acesso ao mercado.
Tabela 1: Quota de comercialização das famílias por região (Em percentagem)
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Fonte: Elaboração do autor com base no conjunto de dados harmonizados do TIA/IAI.
Orçamento aquém do necessário
Olhando às políticas e estraégias do sector agrícola, entre 2007 e 2022, os investimentos do Estado Moçambicano no sector foram insuficientes para cobrir as necessidades de financiamento das estratégias estabelecidas. No mesmo período, o orçamento projectado aumentou significativamente, mas os desembolsos efectivos ficaram abaixo do previsto, com um déficit médio anual de 2,9 milhões de meticais (em média 16,95% a menos por ano), destacando a inadequação dos investimentos no sector.
Implicações
Priorização dos pequenos agricultores
O estudo destaca a alta relevância dos pequenos agricultores, que representam a maior parte do sector de agricultura em Moçambique, ainda dominado pela agricultura de pequena escala. Optar por políticas que priorizam pequenos agricultores é essencial para melhorar a produção, aumentar a contribuição do sector agrícola ao PIB e reduzir a pobreza.
Políticas estáveis e baseadas em evidências
A qualidade e a granularidade da evidência disponível são fundamentais para analisar as forças e fraquezas do sector agrícola em Moçambique. Dessa forma, a utilização de evidências não é apenas necessária, mas essencial para fundamentar decisões informadas e promover um desenvolvimento sustentável no setor.
Consideraçóes adicionais
- Culturas de Rendimento (outgrowers)
A análise identificou cinco grupos de pequenos agricultores com estratégias de subsistência distintas. O grupo de “culturas de rendimento”, composto por agricultores que priorizam as culturas de alta rentabilidade, muitas das vezes subcontratados dentro de programas de fomento, mostra receitas agrícolas geralmente superiores aos outros grupos, refletindo uma estratégia focada em mercados mais exigentes e em procura garantida. Localizado principalmente nas regiões norte e centro de Moçambique, esse grupo representa cerca de 13,5% dos pequenos agricultores. Estratégias para expandir o número de cultivadores subcontratados merece atenção.
- Garantias de preço mínimo
As garantias de preço mínimo atuarão como uma rede de segurança para os agricultores. Em Moçambique, há uma experiência relativamente positiva com preços garantidos no caso do algodão. No entanto, essas garantias não estão amplamente disponíveis para outras culturas. A expansão gradual dessas políticas para outras culturas, baseada em evidência, poderia reduzir os riscos e estimular a produção.
Conclusão
A agricultura em Moçambique está em um ponto de inflexão. Embora o país tenha mostrado sinais de aumento na área total cultivada e nos rendimentos agrícolas, ainda enfrenta desafios estruturais significativos, como a baixa utilização de insumos modernos, a comercialização limitada e a insuficiência de financiamento para o sector.
A formulação de políticas agrícolas adequadas, que priorizem os pequenos agricultores e proporcionem uma rede de segurança económica por meio de garantias de preço mínimo e outros incentivos, será essencial para criar um setor mais competitivo, sustentável e resiliente.
Descarregue o factsheet aqui
Sofiare Jamú é Assistente de Pesquisa na UNU-WIDER e trabalha no âmbito do programa Crescimento Inclusivo em Moçambique (IGM)