Opinião

Credibilidade orçamental em Moçambique – desafios e soluções

Moçambique está classificado nos 20 últimos lugares do índice de desenvolvimento humano, com quase dois terços da sua população (18,9 milhões de pessoas) a viver abaixo da linha de pobreza nacional de 0,70 USD por dia. Simultaneamente, o país enfrenta dificuldades para financiar o erário público e regista constantemente défices orçamentais do Estado, acompanhados de uma consistente subexecução da despesa orçamentada. O nosso estudo recente sobre a credibilidade orçamental em Moçambique faz uma análise aprofundada às tendências da orçamentação do Estado, explora as razões pelas quais os desafios do governo em cumprir os seus objectivos de receitas e despesas prejudicam a economia em geral e propõe soluções.

Com uma população em rápido crescimento, necessidades crescentes dos pobres, infra-estruturas degradadas e uma geração de receitas muito limitada, não é surpreendente que Moçambique registe frequentemente défices orçamentais.  Neste ambiente fiscal restrito, o apoio ao orçamento e a dívida externa são utilizados para aliviar os constrangimentos das despesas do Estado. Estes desafios realçam a necessidade de uma boa gestão fiscal, incluindo um orçamento realista e fiável. 

Um instrumento fundamental para avaliar e melhorar as práticas de Gestão das Finanças Públicas (GFP) em Moçambique é o programa Despesa Pública e Responsabilidade Financeira (PEFA). Iniciado em 2001 pela Comissão Europeia (CE), Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e os governos da França, Noruega, Suíça e Reino Unido, o PEFA realizou até à data 533 avaliações em 155 países, incluindo 47 na África Subsariana e 10 em Moçambique. O PEFA tem como objectivo melhorar os resultados fiscais, destacando a importância da credibilidade orçamental na gestão fiscal.

O PEFA define a credibilidade orçamental como a medida do quanto o orçamento do governo é realista e implementado como previsto (PEFA 2015). Um orçamento credível tranquiliza os contribuintes, os doadores e credores, as empresas que fornecem para o governo, os trabalhadores públicos e os destinatários dos serviços públicos sobre a previsibilidade da despesa e dos serviços públicos.

A credibilidade orçamental de Moçambique

A credibilidade orçamental em Moçambique é avaliada usando dados orçamentais do Estado, disponíveis ao público, incluindo tanto a despesa planeada como a execução efectiva. A PEFA identificou várias fraquezas: desvios, variabilidade sectorial, quebras de receitas e ajustamentos orçamentais a meio do ano. No entanto, estes dados não exploram as origens das discrepâncias orçamentais subjacentes.

No nosso artigo, “Decomposição da credibilidade orçamental”, aprofundamos a análise da medida de credibilidade orçamental da PEFA consoante os tipos de despesa e ao longo do ano fiscal. As evidências encontradas revelam uma subexecução consistente das despesas orçamentadas, mesmo em anos com receitas suficientes. Existem disparidades significativas entre sectores: a educação e a saúde apresentam orçamentos relativamente credíveis em comparação com as obras públicas, a protecção social e as despesas não sociais no geral. 

Uma comparação da credibilidade orçamental entre tipos de despesas revela que as despesas de investimento nos sectores sociais (por exemplo, escolas, instalações de saúde, água e saneamento), principalmente financiadas externamente, mostram maior volatilidade e menor credibilidade do que as despesas correntes (por exemplo, pagamentos de professores e, mais geralmente, salários dos funcionários públicos). Relacionado com a evidência anterior, encontramos uma forte indicação de reafectação de recursos fora de regras orçamentais regulares: em particular, encontramos uma sugestão de que os recursos inicialmente alocados aos investimentos foram redireccionados para financiar despesas correntes. Por último, e em consonância com os relatórios PEFA, não encontramos indícios fortes de que os ajustamentos orçamentais a meio do exercício melhorem a fiabilidade do orçamento.

Causas reportadas e possíveis soluções

As Contas Gerais do Estado (CGE) do Governo de Moçambique atribuem as inconsistências orçamentais a dois factores principais. Por um lado, o crescimento económico mais lento e a cobrança ineficiente de impostos conduzem a défices de receitas. Por outro lado, verificam-se derrapagens nas despesas devido a catástrofes naturais, choques sanitários (por exemplo, COVID-19), inflação, flutuações cambiais, atrasos nos desembolsos dos doadores e questões administrativas e logísticas que atrasam o início ou a conclusão dos projectos.

O Governo de Moçambique está a implementar estratégias para mitigar estas vulnerabilidades da GFP, tais como a criação de um fundo de reserva no âmbito do novo fundo soberano, o aumento da cobrança de impostos e uma reforma do IVA, tal como sugerido pelo FMI. Estes esforços são acompanhados de medidas para fazer face às derrapagens das despesas, incluindo a melhoria da transparência e da responsabilidade nos orçamentos públicos e os esforços para limitar as despesas salariais globais do sector público.

O nosso estudo recomenda estratégias adicionais para aumentar a credibilidade do orçamento em Moçambique:

  • Enfoque sectorial: melhorar a orçamentação da despesa nos sectores sociais como a educação, a saúde, a protecção social e a assistência social, e melhorar os respectivos processos

  • Melhoria da gestão do investimento: reforçar os mecanismos de supervisão dos projectos financiados externamente para reduzir o desvio de fundos para fins não planeados e melhor alinhar com os objectivos de desenvolvimento a longo prazo

  • Reavaliação dos ajustes orçamentais: centrar os ajustes orçamentais a meio do ano fiscal na reafectação estratégica e não em ajustes ad hoc

  • Melhoria do acompanhamento: implementar o método proposto de decomposição da credibilidade orçamental a nível sectorial, da unidade orçamental e das despesas económicas para ajudar o Ministério da Economia e das Finanças a identificar áreas de melhoria, potenciais ganhos rápidos e melhores práticas

A credibilidade orçamental é crucial para o desenvolvimento económico de Moçambique e para a confiança pública. A gestão eficaz do orçamento assegura a transparência, a previsibilidade e a responsabilidade, que são essenciais para o crescimento sustentável. A resolução dos problemas persistentes de subexecução e de défice de receitas através de uma melhor gestão fiscal, de ajustes orçamentais estratégicos e da supervisão do investimento pode conduzir a um orçamento mais realista e fiável.

Uma versão deste blog foi publicado pelo IGC.

Félix Mambo é Economista do International Growth Centre (IGC) em Moçambique. Antes de ingressar no IGC, trabalhou como Consultor de Pesquisa para a UNICEF, apoiando iniciativas de finanças públicas para crianças e aconselhando parlamentares sobre supervisão financeira. Entre 2016 e 2018, colaborou com a UNU-WIDER no âmbito do programa Crescimento Inclusivo em Moçambique.

Ricardo Santos é  Investigador da UNU-WIDER em Maputo, Moçambique, focado no programa Crescimento Inclusivo em Moçambique - Reforçando a Investigação e as Capacidades, e Assessor Técnico Residente do Centro de Estudos de Economia e Gestão da Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane. 

As opiniões expressas neste artigo são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as opiniões dos parceiros ou doadores do programa IGM.