Opinião

Obstáculos à de oportunidade para os estudantes em Moçambique – em suas próprias palavras

Nas suas próprias palavras

Em Moçambique, 1.600 graduados do ensino médio de institutos técnicos e vocacionais (TVET) estão sendo rastreados como parte do inquérito de base à transição ensino-emprego do programa Crescimento Inclusivo em Moçambique — o primeiro estudo de longo prazo do país nesta área. Em janeiro, conduzi entrevistas detalhadas com 22 graduados, que compartilharam suas esperanças e medos para o futuro ao entrarem no mundo do trabalho.

Embora os entrevistados só tenham acabado a escola recentemente, suas expectativas e preocupações iniciais irão moldar as escolhas profissionais que estão prestes a fazer – onde procurar trabalho, quais ofertas de emprego aceitar e quais oportunidades eles acham que são inacessíveis para 'alguém como eles'. Três grandes preocupações surgiram nas entrevistas, reflectindo uma sentimento profundo de que o mercado de trabalho não é justo nem meritocrático.

1. Venda de vagas de emprego

A venda de vagas de emprego – refere-se a uma práctica clandestina, mas comum, em que um empregador ou intermediário pede aos candidatos dinheiro troca de uma vaga. Essa prática cria uma barreira para alunos que são tão qualificados quanto os outros, mas menos abastados ou menos bem conectados. Por exemplo, o estudo contínuo dos finalistas universitários pelo programa Crescimento Inclusivo em Moçambique descobriu que 15,4% dos graduados universitários foram convidados a pagar uma taxa de venda das vagas, e a média do valor foi de aproximadamente a um mês de salário.

A realidade é que, para entrar, quando és alguém por sí só, precisas definir um valor. Sem ele não consegues uma vaga. Para entrar quase sempre precisas ter dinheiro.

A ‘venda’ de vagas de emprego persiste devido as pessoas que abandonam a escola e percebem-se da falta de vagas para graduados qualificados do TVET. A competição extremamente alta por empregos cobiçados significa que os graduados farão todo o possível para garantir um emprego.

'Nas vagas recentemente anunciadas, as empresas exigem cinco a dez anos de experiência… Isso acaba sendo um insulto para quem acaba de se formar!'  — Graduado em Gestão, 22 anos, natural da Província de Maputo Maputo

'Em Moçambique, há menos de cinco vagas para cada cinco estudantes do TVET […] a realidade é que para entrar, quando és alguém por sí só [sem contactos] é preciso definir um valor. Sem ele não consegues essa vaga. Para entrar quase sempre é preciso ter dinheiro' — Gradudado em Agricultura, 25 anos, natural de Nampula

2. Redes de contacto

Muitos dos entrevistados transmitiram repetidamente que ter bons contatos e patrocinadores – padrinhos – no mundo do mercado de trabaho era mais importante do que qualquer habilidade ou qualificação. Graduados com menos contactos, como aqueles que eram os primeiros da família a concluir o ensino médio,estavam muito desmotivados, alguns até afirmaram que não adiantava candidatarem-se às grandes empresas.

'Realmente, estou apenas com minha fé em Deus. Sem a ajuda de alguém de dentro da empresa ou de alguém que esteja disposto a ajudar [...] Se chamassem todo mundo para uma entrevista e realmente escolhessem alguém com sinceridade, então, sim, eu iria conseguir mesmo um emprego, iria conseguir um emprego muito rápido! [...] É normal ver um colega que nunca foi à aula, um colega que não sabe nada, mas que passa por tudo só porque é um ‘conhecido’ –  e já tem trabalho! E lá estamos nós, todos os dias na sala de aula, a bater a cabeça, com calor. Cumpirmos tudo e depois encontramos-nos aqui com grande probabilidade de não conseguimos emprego.' – Gradudada em Agricultura,19 anos, natural de Nampula

Na verdade, é só de dinheiro que preciso, algum dinheiro para iniciar a minha vida. Porque tudo está nas minhas mão, eu só preciso de uma iniciativa – que são apenas alguns fundos – infelizmente.

3. Segurança financeira

Por fim, o dinheiro também é uma necessidade para que o aluno tenha acesso a outros caminhos profissionais, como abrir o próprio negócio, migrar para outra parte do país com mais oportunidades na área ou prosseguir estudos.

A precariedade das finanças dos recém-formados é também agravada pela expectativa de que muitos deles irão assumir uma nova e grande responsabilidade financeira em suas famílias, contribuindo eles para as despesas escolares e custos de vida dos irmãos mais novos assim que eles começarem a ganhar rendimentos. A dedicação em ajudar os seus irmãos mais novos é bastante evidente, com muitos dos entrevistados com um sentimento de divida aos seus irmãos mais velhos pelo o apoio na sua formação. No entanto, os cutos do ensino médio, tornam-se em um fardo financeiro significativo para pagar com primeiro salário e pode ser um sacrifício que pode impedi-los de alcançar seus objetivos pessoais.

'Na verdade, eu só preciso de dinheiro, algum dinheiro para inciar a minha vida. Porque tudo está nas minhas mãos, eu só preciso de uma inciativa – que são apenas pequenos fundos – infelizmente.' — Graduado em Mecânica, 25 anos, natural da Província de Maputo

'Muito disto – se não fosse pela minha irmã – eu não estaria onde estou agora […] Em algum momento vou encontrar trabalho e depois disso vou começar a ajudar meus irmãos que me seguem.' — Graduada em Desembaraço Aduaneiro, 21 anos, da Província de Manica

Por que essas expectativas são importantes?

Dedicar um tempo para entender algumas das expectativas e desafios do ponto de vista dos estudantes finalistas é importante para a política de educação e subsistência, ao mesmo tempo que revela potenciais barreiras, mas também as áreas de risco para desmotivação, frustração e profecias autorrealizáveis nas aspirações dos alunos. Embora o estudo de rastreamento vai explorar até que ponto estas inquietações se tornarão uma realidade e os check-ins com graduados à medida que eles embarcarem em suas jornadas profissionais, permitirá entender as subtilezas, nuances e contexto para nossa compreensão do panorama do ensino técnico e vocacional em Moçambique.

 

Anna Schnupp é assistente de pesquisa do Development Economics Research Group da Universidade de Copenhaga. Está actualmente a trabalhar na pesquisa focalizada em Moçambique, incluindo transições ensino-emprego, procura de emprego no mercado de trabalho informal e o impacto do COVID-19.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do(s) autor(es) e não refletem necessariamente as opiniões do Instituto ou da United Nations University, nem dos doadores do programa/projecto.

O artigo foi originamente publicado no blog do WIDERAngle blog em Setembro de 2020