Research brief

Será o Ensino Técnico-Profissional (ETP) uma solução para o desemprego jovem?

Dinâmica da transição ensino-emprego dos finalistas do ETP em Moçambique

EVIDÊNCIAS

  • Para a maioria dos estudantes do Ensino Técnico-Profissional (ETP) em Moçambique, a transição para o mercado de trabalho é difícil. Em Dezembro de 2020, apenas 9% dos participantes no inquérito tinham encontrado um emprego fixo
  • Os que encontraram emprego trabalhavam principalmente em áreas relacionadas com a sua área de estudo, mas 80% dos empregos eram de má qualidade
  • Existe uma considerável discrepância entre as expectativas dos estudantes quanto aos seus salários ou tipo de empregador e os empregos que acabaram por encontrar ao entrar no mercado de trabalho
  • Existem disparidades significativas entre as experiências de transição ensino-emprego dos homens e das mulheres: uma maior percentagem de mulheres está desempregada, as que encontraram um emprego demoraram mais tempo a fazê-lo e foram-lhes oferecidos empregos com salários mais baixos
  • Quase todos os participantes no inquérito acreditavam que a pandemia da COVID-19 tinha piorado as suas perspectivas de emprego

O Ensino Técnico-Profissional (ETP) é frequentemente visto como uma solução milagrosa que resolve questões que vão desde o desemprego juvenil até à mudança estrutural relacionada com o mercado de trabalho. Isto é particularmente verdade para os países em desenvolvimento com um ensino básico deficiente e um elevado número de jovens que todos os anos procuram entrar no mercado de trabalho. Os resultados de um estudo de seguimento com mais de 1.600 finalistas do EPT em Moçambique sugerem que esta importante secção da força de trabalho enfrenta desafios significativos na sua inserção no mundo do trabalho.

Um estudo longitudinal com mais de 1.600 estudantes do ETP moçambicano durante a sua transição inicial para o mercado de trabalho foi realizado durante o período de 2019-20. Em 2019 foi implementado um estudo de base com 20 institutos de ETP localizados em todo o país. De Janeiro a Novembro de 2020, os mesmos participantes foram contactados quatro vezes por telefone para se conhecer a sua situação económica e de emprego.

Desemprego elevado e empregos de má qualidade
A experiência de transição dos participantes no inquérito pode ser dividida em três grandes grupos:
 
Foto: Daniel Mensah

O primeiro grupo (9%) consistiu em participantes que conseguiram encontrar um “bom emprego” — principalmente em actividades financeiras, na indústria e nos serviços. Estes empregos oferecem uma remuneração relativamente elevada e melhores condições contratuais (por exemplo, contrato fixo) do que outros. A maioria dos participantes que conseguiram estes empregos estudaram administração de empresas, exploração mineira, construção, contabilidade, engenharia ou educação.

O segundo grupo, que constitui a percentagem mais elevada de inquiridos (48%), apenas conseguiu obter um “mau emprego”: na sua maioria trabalhos ocasionais, com uma remuneração relativamente baixa e condições mais precárias (por exemplo, sem contrato escrito). Muitos destes empregos são encontrados na área dos serviços comerciais (por exemplo, no comércio a retalho).

O terceiro grupo (43%) é composto por aqueles que não conseguiram um emprego ou não conseguiram trabalhar por mais que três meses durante todo o período. Enquanto 13% dos participantes estavam a estudar, 4% não estavam à procura de emprego. No final dos 11 meses, 26% dos inquiridos encontravam-se desempregados.

Desigualdade de género e disparidades entre as expectativas e as condições reais do mercado de trabalho

Para além dos desafios gerais enfrentados pelos candidatos a emprego na sua transição das escolas técnico-profissionais, existem significativas disparidades entre as experiências de homens e mulheres. As mulheres, em média, demoraram mais tempo a encontrar um emprego e o seu salário mediano por sector foi mais baixo, com a maior diferença salarial encontrada no sector dos serviços públicos, onde atingiu MZN 5.000 (mediana).

As condições do mercado de trabalho foram muito piores do que o esperado pelos participantes no inquérito. Não só os salários eram muito mais baixos do que esperavam, como as evidências também mostram uma significativa disparidade entre o tipo de empregadores para quem desejavam trabalhar e aqueles junto de quem encontraram emprego. Por exemplo, embora 84% dos participantes tivessem demonstrado interesse no empreendedorismo, preferiam algo muito mais formal do que encontraram — em vez de gerirem empresas, a maioria deles foi empurrada para trabalhos ocasionais informais.

Processo de recrutamento informal, como chave para encontrar um emprego – A COVID-19 teve impacto

Os resultados do inquérito mostram que as estratégias bem-sucedidas de procura de emprego foram principalmente as informais: 47% dos primeiros empregos (56% dos últimos empregos inquiridos) foram encontrados com a ajuda de amigos e familiares. Os canais formais não relacionados com a escola (meios de comunicação, jornais, agências de emprego) são muito menos eficazes (7% dos primeiros empregos e 8% dos últimos empregos encontrados desta forma). Vale a pena salientar a importância relativa das escolas e dos professores na colocação de pessoas formadas no ETP, tendo ajudado 21% dos inquiridos a encontrar o seu primeiro emprego.

Os resultados do inquérito mostram que a COVID-19 teve um grande impacto no mercado de trabalho. A maioria dos inquiridos relatou um impacto negativo da pandemia, incluindo a dificuldade em encontrar emprego e a redução do horário de trabalho. O encerramento das escolas foi também relatado por muitos como uma dificuldade relacionada com a COVID-19, reflectindo o facto de muitos dos inquiridos terem continuado os seus estudos.

Que soluções são necessárias para melhorar a situação?
Os resultados do inquérito indicam a necessidade de encontrar novas políticas para melhorar a transição ensino-emprego dos finalistas de ETP em Moçambique.
 
Em primeiro lugar, seria benéfico promover o livre acesso, aos candidatos a emprego a informações sobre oportunidades de emprego e estágio profissional, incluindo as ofertas salariais. Estas medidas permitiriam aos finalistas fazer escolhas mais informadas e protegeriam os candidatos a emprego, especialmente as mulheres, de potenciais práticas de recrutamento discriminatórias. Uma possibilidade é desenvolver uma plataforma digital de estágios para facilitar um acesso mais amplo a estágios profissionais.
 
O que também é necessário, dada a aparente fragilidade na procura de pessoal qualificado, é uma análise mais aprofundada das necessidades laborais existentes (e futuras) nas empresas, bem como o apoio a um melhor diálogo entre empregadores e escolas técnico-profissionais.
 

Além disso, a prevalência de empregos de baixa qualidade encontrados pelos finalistas ao trabalhar para terceiros, frequentemente em violação das leis laborais (por exemplo, sem contrato ou sem contribuição para a segurança social), sugere a necessidade de uma supervisão regulamentar mais forte e mais eficaz. Isto é especialmente crítico para aqueles que trabalham no sector de serviços comerciais.

IMPLICAÇÕES

  • É necessário permitir aos candidatos a emprego o livre acesso a informações sobre oportunidades de emprego e estágio profissional, incluindo informações sobre o salário oferecido (por exemplo, leque salarial)
  • A aparente fragilidade na procura de pessoal qualificado exige uma análise mais aprofundada das necessidades do lado da procura e um melhor diálogo entre empregadores e escolas técnico-profissionais
  • A prevalência de empregos de baixa qualidade encontrados pelos finalistas sugere a necessidade de uma supervisão regulamentar mais forte e mais eficaz

Este research brief baseia-se no Relatório Final do Inquérito à Transição Ensino-Emprego dos Finalistas do Ensino Técnico-Profissional em Moçambique, da autoria de Sam Jones, Ricardo Santos e Gimelgo Xirinda. O inquérito foi realizado no âmbito do programa Crescimento inclusivo em Moçambique – reforçando a investigaçao e as capacidades.