Relatório

Pobreza e bem-estar em Moçambique

Quarta avaliação nacional

Este relatório apresenta uma análise abrangente de pobreza e bem-estar, e suas tendências em Moçambique entre 2008/09 e 2014/15. Os dados provêm principalmente do Inquérito aos Agregados Familiares sobre Orçamento Familiar (IOF) 2014/15 realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Os resultados deste último inquérito são comparados com os obtidos nos inquéritos anteriores (2008/09, 2002/03 e 1996/97).

Índice de pobreza em MoçambiqueTanto a pobreza como o nível de bem-estar são analisados segundo várias dimensões e utilizando duas abordagens principais. A primeira abordagem está focada no consumo, permitindo avaliar o progresso até 2015 rumo aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A segunda abordagem baseia-se em métodos multidimensionais para avaliar a pobreza e o bemestar. Os indicadores usados têm como foco a educação, saúde, habitação e a posse de bens duráveis.

De todas as abordagens emerge uma história coerente. Quando comparados com o inquérito anterior, realizado em 2008/09, os níveis de bem-estar melhoraram a nível nacional. Olhando mais para trás no tempo e comparando os níveis de 2014/15 com os níveis muito baixos observados em 1996/97, torna-se claro que os avanços em termos de bem-estar têm sido substanciais. Os avanços foram rápidos entre 1996/97 e 2002/03, mas desaceleraram entre 2002/03 e 2008/09, tendo voltado a acelerar no período mais recente. Em relação a 1996/97, avanços substanciais têm sido registados tanto nas zonas rurais como nas urbanas e em todas as províncias.

Contudo, estes avanços não ajudaram na convergência dos níveis de bem-estar entre as zonas rurais e urbanas ou entre regiões geográficas, e ainda persistem diferenças muito substanciais nos níveis de bem-estar. O hiato ou gap entre zonas rurais e urbanas é grande e na melhor das hipóteses é persistente (se não tendente a piorar). As condições de vida no sul são muito melhores do que nas outras regiões, em quase a totalidade das dimensões de bem-estar consideradas e de acordo com todos os métodos (em parte devido a um maior nível de urbanização no sul). Além disso, a desigualdade de consumo no país tem aumentado muito desde 1996/97 em todas as medidas consideradas, tendo o incremento acelerado no período mais recente.

Antes de continuar, é necessário apresentar alguns dos problemas encontrados com a qualidade dos dados. Conforme enfatizado na Terceira Avaliação Nacional da Pobreza, existe uma elevada probabilidade de o consumo alimentar ter sido subestimado tanto no inquérito de 2002/03 como no de 2008/09, particularmente nas zonas urbanas e no sul. Chegou-se a esta conclusão porque em muitos casos nessas áreas o consumo estimado de calorias estava bastante abaixo das normas aceites para uma nutrição adequada. Apesar dos esforços exercidos em 2014/15 para melhor captar o consumo alimentar, em particular nas zonas urbanas, o problema não parece ter sido resolvido. De facto, é muito provável que piorou e que atingiu também as zonas rurais, onde reside a maioria da população e sobre tudo onde reside uma proporção muito maior de pessoas pobres.

Os problemas encontrados com os dados fazem com que as estimativas da pobreza de consumo sejam menos precisas do que o desejado. Utilizando os dados oficiais (sem correcção da subestimação do consumo em nenhum ano), a pobreza diminui mais de cinco pontos percentuais quando comparada com os valores de 2008/09, a nível nacional. As taxas de redução são mais acentuadas nas zonas urbanas (nove pontos) do que nas zonas rurais (quatro pontos). Numa perspectiva regional, a redução da pobreza foi rápida nas províncias do sul, onde a taxa de pobreza diminuiu cerca de 18 pontos percentuais, com destaque para a Província de Maputo. As reduções foram significativas, mas menos rápidas, no Centro onde as taxas de pobreza diminuíram cerca de 11 pontos percentuais. Estas reduções distribuíram-se de forma bastante homogénea pelas quatro províncias centrais do país. No entanto, estes ganhos foram compensados por um aumento estimado em cerca de dez pontos percentuais no Norte, em particular na província do Niassa, onde ocorreu o maior aumento.

Figura: Incidência da Pobreza Multidimensional (M0) por área de residência, 1996/97, 2001/04, 2007/10, 2013/14

Nota: Incidência da Pobreza Ajustada (M0) por área de residência para vários países da área Subsaariana. t1 indica o inquérito mais antigo, que nos países considerados foi feito entre 1996 e 1997; t2 é o segundo inquérito mais antigo, feito entre 2001 e 2004; t3 indica o segundo inquérito mais recente, feito entre 2007 e 2010; t4 representa o inquérito mais recente para todos os países considerados, feito entre 2013 e 2014.


Três diferentes cenários de ajustamento foram aplicados na análise de 2014/15. Esses ajustes colocam as taxas de pobreza nacionais no intervalo de cerca de 41 a 45 por cento da população (correspondente a valores entre 10,5 e 11,3 milhões de pessoas em situação de pobreza absoluta, inferiores ao número de 12 milhões em 1996/97). Como indicado na Terceira Avaliação Nacional, “um dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) para Moçambique é o alcance de uma taxa de pobreza de consumo de 40% em 2015 comparativamente a uma taxa estimada de 80% em 1990.” Os resultados obtidos a partir do inquérito aos agregados familiares 2014/15 indicam que Moçambique se aproximou bastante deste objectivo.

Na sua essência, todas as tendências principais identificadas na análise da pobreza de consumo estão reflectidas nas análises de pobreza multidimensional. Este facto é de particular importância uma vez que os indicadores multidimensionais de bem-estar são de muito mais fácil observação do que os níveis de consumo e muito menos voláteis. A título de exemplo, note-se que os níveis de educação dos membros de um agregado familiar são muito mais fáceis de obter e, tipicamente, mantêm-se constantes ao longo da vida adulta de um indivíduo. Ambos os métodos de análise da pobreza multidimensional sugerem grandes melhorias relativamente a 2008/09, sendo ainda mais significativas relativamente a 1996/97. Novamente e como anotado no que respeita à análise da pobreza de consumo, estas melhorias não coincidem com uma redução de disparidades entre áreas urbanas e rurais e entre regiões ou províncias. Também numa perspectiva multidimensional, as condições de vida são notavelmente superiores nas áreas urbanas e no sul.

Em conclusão, a Quarta Avaliação Nacional da Pobreza confirma que Moçambique, ao longo das últimas duas décadas, alcançou progressos significativos em ordem ao seu desenvolvimento. O relatório mostra também que grandes diferenças permanecem entre grupos socioeconómicos e áreas geográficas, em termos de bem-estar, tendo a tendência sido de manutenção ou mesmo crescimento dessas diferenças. Em geral, desigualdade e as diferenças espaciais aumentaram. Daqui decorre a necessidade imprescindível de políticas equilibradas do ponto de vista espacial, económico, infra-estrutural e social, tanto numa perspectiva do bemestar como na perspectiva da economia política.

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